Perdido na biblioteca da minha cidade, encontrei este romance que, de forma arrebatadora, surpreendeu-me. Um romance histórico sobre as raízes da minha cidade. Negra Efigênia é uma verdadeira obra prima!
Edição, arte e diagramação por Juvenal Marques

“Negra Efigênia” – paixão de senhor branco (Ed. Edicel, 1966), não é apenas um romance histórico narrado acerca de um triste e lamentável episódio ocorrido em nossas terras: a escravidão no Brasil. Muito alem disto, é o apelo a um passado que não se deve ser esquecido... um passado que transformou nossas vidas e ainda mantêm raízes de suma importância para o nosso desenvolvimento. Aos negros, hoje vítimas do preconceito, da intolerância e do estereótipo de marginalizados, deve-se o progresso de uma nascente “Paraíso” que sentia próximo o fim do tratamento e da condição que era posta aos africanos, que arrancados do seio de suas terras, trabalhavam de sol a sol sob a condição de meros escravos, de animais sem alma que nada mereciam.

Anajá Caetano, negra e descendente de angolanos da tribo dos “Quiôcos”, buscou tratar neste romance todas as raízes de sua cultura negra, desmistificando todo e qualquer estereótipo que ao longo das décadas a história estigmatizou. Em sua obra, ela narra o nascimento de São Sebastião do Paraíso e todo o desenvolvimento socioeconômico que a escravidão trouxe à região. Fundada à sombra se Jacuí, a paróquia dedicada a São Sebastião deu-se graças à doação de um lote de terras pela família dos Antunes Maciéis, na tentativa de apagar de seu passado a visão de “cangaceiros” que todas da região tinham de sua família.

Contudo, este é apenas o ponto de partida do romance que se desenvolverá tendo como uma das grandes personagens da obra a “Fazenda de Santa Isabel”, conhecida por todos da região como “Fazendo do Tronco” - devido ao tratamento cruel que dona Sinhá - a personificação de todo este período histórico, dava aos seus servos. Aliás, o romance se baseia praticamente em personagens caricatos, carregados de simbolismo, postos na trama cada um com o seu sentido. Talvez o teor de qualidade que esta jóia da literatura paraisense carrega, fundamenta-se na preocupação que a autora tem ao usar personagens com um sentido proposital, quase que como se fossem sinônimos para cada idealização deste período histórico. É isto que nos cativa e nos prende da primeira a última página.

Padre Thomás, figura fundamental n a trama, vê na liberdade dos escravos uma forma de impulsionar a economia regional, com base no que vinha acontecendo na província de São Paulo. Há um destaque na obra tratando a respeito do desenvolvimento econômico das fazendas que praticavam uma espécie de colonato, onde os escravos livres trabalhavam tendo um lote de terra onde podiam produzir para si mesmos, sendo motivados, assim, a produzir mais e mais. Alem disto, destaca-se também a religião. O padre, que via os negros escravos como ignorantes do ponto de vista religioso, tem sua visão amadurecida ao longo do romance, passando a enxergar o respeito mútuo que deveria haver entre as duas raças e suas crenças, que se fundiam em uma só.

Enfim, Anajá Caetano eterniza-se na história de nossa literatura municipal com este romance épico. Pouco se sabe a respeito da autora, mas o espírito de seus ancestrais podem ser sentidos em cada ritual narrado de forma sublime e fiel em “Negra Efigênia”. A linguagem impecável com que é contada faz da obra única.

Mais do que uma recomendação, “Negra Efigênia” é praticamente uma leitura obrigatória e o livro, perdido em sebos de todo Brasil é uma relíquia de valor incalculável para nossa cidade e pode ser lido gratuitamente na Biblioteca Municipal de São Sebastião do Paraíso, onde existem dois exemplares em razoável estado de conservação.

Matéria produzida originalmente para a "Revistas Expressão Livre"
 -  Ano 3, Edição 37, Junho de 2013