Cultura”, do latim “colere”, significa cultivar. Em suma podemos dizer que cultura é tudo aquilo que é produzido pelo homem e o identifica enquanto ser humano. Embora seja um conceito extremamente complexo e relativo, podemos ainda dizer que é a junção de tudo aquilo que define um povo ou sociedade; hábitos, culinária, língua, costumes, crenças, vestimentas e até mesmo o comportamento. É fácil traçar o perfil cultural de determinada sociedade e imaginar em um indivíduo todas essas características; o que não é fácil, porém, é imaginar em um país tão plural quanto o nosso características próprias.

A imigração foi um marco definitivo na história da sociedade brasileira e contribuiu para toda a nossa riqueza cultural. Desde a colonização até meados do século XX o Brasil recebeu um grande número de imigrantes europeus e asiáticos. E embora isso não tenha se dado em um processo inteiramente pacífico, contribui indubitavelmente para a consolidação da nação brasileira como um estado múltiplo: raças, crenças, costumes e ritmos.

Portugueses, espanhóis, africanos, italianos, alemães, franceses e japoneses. Esses foram os principais imigrantes que encheram nosso país com suas diversidades culturais e contribuíram para a miscigenação cultural aqui existente. Todavia, um desses grupos se destacou pelo grande número de imigrantes que desembarcaram no país: os italianos. Estimativas apontam que entre o século XIX e XX cerca de 1,5 milhões de imigrantes italianos vieram residir no Brasil.

Tendo sido em 1870 a chegada dos primeiros imigrantes italianos, o aumento dessa imigração se deu entre as décadas de 1880 a 1910. Fato este estimulado pela abolição da escravatura, pois os ex-donos de escravos não queriam admitir o trabalho assalariado para essa população que durante 300 anos trabalharam sobre um forte regime de opressão. Outro fator de extrema importância e que fez com que essa imigração também fosse planejada foram os ideais do “darwinismo social”, amplamente difundido pela comunidade científica da época e que basicamente dizia que uma pessoa podia conter características biológicas que a tornasse superior a outras. Embasado nesse conceito, o governo brasileiro, acreditando não ser possível se desenvolver por ser uma população basicamente composta por negros e mestiços, começou a planejar a imigração no país; e os italianos pareciam ser a melhor resposta para suas necessidades, pois alem de “brancos” eram católicos.

Um grande número de italianos se estabeleceu no sul e no sudeste e boa parte desses imigrantes vinha ludibriada pelas condições de morada no Brasil. Vendiam tudo o que tinham para tentar a vida aqui, fosse para trabalhar nas lavouras de café, indústrias e comércios ou simplesmente para empreender, como a família Matarazzo que construiu um verdadeiro império industrial no coração de São Paulo. Todavia, parte dessa imigração foi motivada pela crise de empregos na Itália no século XIX, devido à crescente industrialização no país.

Esse fluxo de imigrantes, porém, começou a diminuir no início do século XX, com a divulgação de noticias na imprensa italiana que apontavam as péssimas condições de vida no Brasil. Dentre essas notícias, algumas relatavam que esses imigrantes não podiam abandonar o Brasil por causa de dívidas feitas com os proprietários de terra, que muitas vezes arcavam com os custos das viagens. Com base nisto, o governo da Itália emitiu um decreto que proibia a imigração subsidiada desses cidadãos, o “Decreto Prinetti”. Alem disto, em 1920, Benito Mussolini com suas medidas protecionistas, começou a controlar rispidamente o fluxo de imigração.

São Sebastião do Paraíso foi uma das cidades do sudoeste mineiro que recebeu o maior número de imigrantes e se orgulha disto. Tamanho orgulho se demonstra no fato de, entre os anos de 1971 a 1972, na gestão do então prefeito Luiz Ferreira Calafiori, ter sido construída uma obra dedicada aos imigrantes italianos, lugar batizado como “Praça do Imigrante”, próximo a prefeitura e, em 1984, a Câmara de Vereadores outorgou o título de “cidadão-honorário post morten” aos italianos, como forma de agradecimento às contribuições dessa gente ao povo Paraisense.

Luiz Ferreira Calafiori, figura de grande importância para a história e cultura de São Sebastião do Paraíso, autor de diversas obras literárias, dentre elas “São Sebastião do Paraíso – história e tradição” destaca a importância cultural que a cidade tem ao privilegiar suas memórias. Segundo ele a construção do memorial na “Praça do Imigrante” foi uma forma de tornar viva essa lembrança da imigração, que com o tempo veio se perdendo. Documentos históricos apontam que a primeira leva de imigrantes italianos para a cidade deu-se no ano de 1893, e foi encomendada pelo Coronel Francisco Adolfo de Araújo Serra, no período da chamada “grande imigração”. Muitos dos escravos libertos naquele período acabaram se fixando nas próprias fazendas onde trabalhavam, mas o rápido crescimento da cafeicultura e a chegada das ferrovias para o transporte de carga tornava necessária mais mão de obra, que com o fim do tráfico negreiro e logo depois a escravidão, tornou-se escassa.

O sudoeste mineiro foi uma das regiões que recebeu o maior número de imigrantes no Brasil, o que contribuiu para que grande parte da população paraisense fosse composta por descentes. “Hoje eu não acredito ser tanto, mas há 20 anos cerca de 50% da população paraisense era composta por descendentes de imigrantes e sua maioria era italiana”, enfatiza Luiz Ferreira.

Embora tenha tido grande influencia na formação de Paraíso, a pouca herança cultural que restou desses imigrantes veio se perdendo com o tempo. A explicação é simples, porém de uma complexidade profunda. Com o governo de Getúlio Vargas e a Segunda Guerra Mundial estourando lá fora, muitos desses imigrantes foram perseguidos. A Itália pertencia ao “Eixo”, na Segunda Guerra, composto também por Alemanha e Japão; era natural que esses italianos torcessem por sua nação na guerra, entretanto isso não era aceito aqui. O Brasil por interesses econômicos ficou ao lado dos Aliados, composto pela EUA, Inglaterra e França. Mas apesar de na época vivermos um estado fundamentado pelos ideais do “Eixo”, a nação brasileira manteve certa neutralidade até o ano de 1942, quando submarinos alemães e italianos iniciaram um ataque contra as embarcações brasileiras no oceano Atlântico. Foi assim o Brasil definiu seu rumo na guerra.

Luiz Ferreira conta que essa guerra foi um fator decisivo para arrefecer esse sentimento de orgulho italiano. Na época houve uma opressão muito forte e perseguições a possíveis “elementos” do “Eixo”. As noticias que vinham da Europa e eram transmitidas pelo rádio eram recebidas com expectativa por esses imigrantes que, segundo conta Luiz, eram vigiados até mesmo por vizinhos.

É notável a importância que esses cidadãos tiveram, não apenas para a cidade, mas para as vidas dos cidadãos. A imigração italiana foi um marco na construção da comunidade paraisense e suas influências, mesmo que timidamente, ainda podem ser sentidas. Embora grande parte da população negligencie suas próprias raízes culturais e as deixe de lado, o dia da imigração é uma data que merece ser lembrada e exaltada, afinal, o que seria do Brasil – e da cidade de São Sebastião do Paraíso – sem a imigração? Certamente um país monocromático.

Por João Gustavo
Matéria produzida originalmente para a "Revistas Expressão Livre"
 -  Ano 3, Edição 37, Junho de 2013